Por Emily Keli, estudante de Biomedicina pelo PROUNI na Universidade Estácio de Sá e militante do Coletivo Graúna.
Atualmente, o Brasil tem sido palco de uma batalha com mais de um século de história, iniciada com traços de racismo no combate ao uso da maconha seja na forma medicinal, recreativa ou religiosa. Mesmo hoje, com inúmeros estudos e resultados comprovando benefícios da planta na vida das pessoas, devido aos seus componentes terapêuticos, continuamos envolvidos no movimentado debate que busca dissociar sua utilidade de uma ação ilícita, ou seja, a descriminalização para uso.
A primeira lei do mundo a criminalizar o uso da maconha foi sancionada em 1830 e é um produto da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Dizia o texto: “É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia”.
Na época, era comum a expressão “Maconha em pito faz negro sem vergonha”, sendo “pito de pango” a forma como foi chamada a planta que era consumida pelos negros dos Palmares, em cachimbos de barros.
Um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos Raciais do Insper fez o levantamento de 3,5 milhões de boletins de ocorrência registrados entre 2010 e 2020, onde a polícia de São Paulo enquadrou 31 mil negros e pardos como traficantes em situações similares às de brancos que foram considerados usuários com a mesma quantidade e mesmas características, com exceção da cor e situação social. A possibilidade de enquadramento aumenta 1,5% se o suspeito for preto ou pardo.
Hoje, a guerra às drogas nos bairros mais pobres é feita com "Caveirão" (aéreo e terrestre), entrada em residências sem preocupações com formalidades judiciais e um inaceitável saldo de mortes entre moradores e policiais. Quando a repressão ocorre nos bairros mais abastados, se respeita as normas para execução dos mandados de busca ou prisão, executadas no protocolar horário de seis horas da manhã e com o devido respeito à privacidade do acusado. Só o racismo e o preconceito contra os mais vulneráveis explicam a adoção de uma estratégia de guerra que aponta as armas apenas para o lado mais desfavorecido da cidade.
O porte para consumo próprio voltou a ser pauta do STF nessa última semana, mas não há qualquer conversa sobre legalização e, sim, descriminalização. Ou seja, seu uso ainda será contrário da lei, mas ela tende a não ser tão rígida, sendo a “pena” programas de apoio, cursos educativos e advertências. Nessa terça, dia 25/06, seis ministros consideraram que não é crime o porte de drogas para consumo individual e três ministros entenderam que a lei é constitucional, ou seja, na prática, o trecho deve ser mantido como crime. Vivenciamos um momento histórico.
Em um contexto mais rápido, por que descriminalizar? A resposta é simples. Se a produção, suprimento e uso de algumas drogas são criminalizados, cria-se um vazio que é preenchido pelo crime organizado, pois pelos benefícios comprovados os usuários não deixarão de existir, além de que, espalharia informação aberta, honesta e verdadeira aos usuários e aos não-usuários para ajudar a tomar decisões de usar ou não usar e de como usar, tantos pontos positivos quanto negativos para todos terem acesso e opinião própria com base na veracidade.
A descriminalização aceita que o uso da droga é uma questão social e não uma questão de justiça criminal. A proibição conduziu à estigmatização e marginalização dos usuários mais desfavorecidos, mas juntos vamos em busca da nossa liberdade.
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