Por Ana Luísa Tibério, advogada, internacionalista e mestranda em Ciência Política na USP. É militante do Coletivo Graúna.
O Parlamento Europeu é o órgão legislativo da União Europeia (UE), partilhando com o Conselho o poder de aprovar e alterar propostas de lei e de decidir em matéria de orçamento. Também fiscaliza o trabalho dos demais órgãos da UE e coopera com os parlamentos nacionais. Suas eleições ocorreram entre os dias 6 e 9 de junho de 2024, elegendo 720 deputados/as, 15 a mais do que na legislatura anterior, e o resultado confirmou o que já indicavam as pesquisas: o crescimento da extrema-direita em diversos locais, o que pode ter implicações na região e internamente nos países da UE.
Nas últimas décadas, a integração regional europeia vem sendo afetada pelo fortalecimento da extrema direita e pelo populismo de direita no continente. Embora não possamos falar em desintegração do bloco (spill back), houve crescimento do euroceticismo, que pode ser caracterizado como a oposição ao projeto regional europeu, ainda que tenha diferentes contornos nacionais em cada país. De modo geral, a extrema-direita utiliza o euroceticismo para “justificar” ideias ultranacionalistas e apontar a UE como ameaça a sua identidade nacional e cultura, pautando ideais antissemitas, anti-imigração e islamofóbicas.
Contudo, seja pelo fracasso de experiências agudas desse euroceticismo, seja por tática política, vemos uma nova face da extrema-direita. Atualmente, grupos anti-UE disputam a própria união, adotando uma ideologia euroambivalente, ou seja, seguem sendo eurocéticos, mas têm uma construção transnacional.
Loss (2023) explica que a euroambivalência decorre de três fatores: (i) de ideologias políticas flexíveis, a depender do contexto, do período e da história nacional e internacional; (ii) do fato da UE ter uma construção complexa e estar em constante evolução/mutação; e (iii) da diferença entre “Europa” e UE, de modo que os partidos de extrema-direita europeus tendem a colaborar transnacionalmente em defesa de uma outra “Europa”, mas são contra a integração do bloco.
Dessa forma, partidos que antes possuíam uma atuação meramente nacional – sendo que por vezes chegam a estar à frente de suas principais instituições –, passam também a disputar eleições para o Parlamento Europeu, o órgão com legitimidade cidadã da UE. É o caso, por exemplo, de partidos da extrema direita na França, Holanda, Áustria, Dinamarca, Hungria, Finlândia, Alemanha, Itália e Suécia.
Isso implica em mais estrutura financeira para esses partidos poderem se organizar nacionalmente, além de uma legitimidade maior para (i) colocar suas pautas em discussão na institucionalidade, podendo obter vitórias concretas e (ii) disputar a consciência da população, uma vez que ganham uma visibilidade muito maior ao adentrar nesses espaços.
É por isso que o resultado dessas eleições nos (re)acende um alerta vermelho. Ainda que a direita moderada vá seguir com a maioria do órgão, a extrema-direita e os populistas de direita obtiveram seu melhor resultado. Chama atenção o caso francês, em que o partido de Marine Le Pen obteve cerca de 32% dos votos, mais que o dobro do segundo colocado, o partido de Emmanuel Macron.
O resultado levou o Presidente francês a dissolver o parlamento e a convocar novas eleições. Seu objetivo é formar maioria no legislativo para conseguir aprovar seus projetos e conseguir governar. Le Pen, por sua vez, já afirmou que seu partido está pronto para o novo embate, “pronto para exercer o poder, pronto para pôr fim à imigração em massa”.
No caso da política de migração da UE, a presença da extrema-direita nas suas instituições, com destaque para o Parlamento Europeu, já se faz sentir desde 2015 e tende a se agravar agora. Naquele ano, quando foram eleitos 156 deputados eurocéticos, foi também quando o órgão aprovou um parecer que posteriormente fora ratificado pelo Conselho para enrijecer a política migratória, com foco na Grécia e na Itália, dois países com tradição política de direita também bastante forte.
Agora, o futuro é incerto, mas já se sabe que haverá vozes potentes da extrema-direita e forte pressão de movimentos com esta ideologia nos Estados-membros para a adoção de medidas ainda mais radicais, como na Espanha, na Itália e na Áustria, em que eles obtiveram a maioria dos votos. Na Alemanha, a AfD, partido de aspirações neonazistas, ficou em segundo lugar e chegou a defender inclusive uma política de expulsão inclusive de alemães com descendência de imigrantes, apesar de ter recuado posteriormente após pressão.
Diante disso, a esquerda europeia passa a ter uma tarefa ainda mais difícil. É preciso compreender a conjuntura e os desafios postos, se reorganizar e ser capaz de se colocar como uma alternativa plausível e acessível para o povo. Caso contrário, não é apenas a integração regional que corre risco, mas principalmente a vida de milhares de pessoas não-europeias, alvos de políticas e discursos anti-migração, xenófobos e preconceituosos, que têm ganhado espaço no continente.
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